Vila Alva a aldeia branca!

Vila Alva é uma aldeia alentejana de grande beleza do concelho de Cuba com cerca de 500 habitantes! Neste blog temos a intenção de divulgar a nossa terra e informar sobre tudo o que lá se passa ou vai acontecer!!

segunda-feira, maio 04, 2009

Artigo do Diário do Alentejo sobre Vila Alva!

Saiu numa edição de Abril do Diário do Alentejo um artigo sobre Vila Alva. Da autoria de João Paulo Taborda, este aborda a "evolução" da degradação do património vilalvense nos últimos 50 anos. O texto está muito bem escrito e aponta o dedo a vários aspectos que vilavenses, entidades competentes, etc... têm dado pouca importância mas que são (ou foram...) a identidade cultural do património histórico e das "gentes" de Vila Alva.
Procurei o artigo online mas apenas encontrei alguns parágrafos soltos... Como penso que o texto merece ser lido na sua totalidade resolvi colocá-lo inteiro aqui... para lêr e reflectir!!!!

"Nasci em Lisboa. Mas com poucas semanas já aqui estava… outra vez… respirando o ar frio dum Janeiro aquecido pelo fumo que das chaminés se desprendia sobre a velha aldeia… Vila Alva era então, neste recanto do Alem Tejo onde o infinito da planície se encosta aos contrafortes da serra, uma pincelada de cal, entre o oiro das searas e os verdes do montado… Que me perdoem os verdadeiros vilalvenses a apropriação, mas esta terra é também minha! E é por assim o sentir que justifico estas linhas, que derramo estes desabafos e arejo a tristeza de saber e ver o seu património histórico perdido e ignorado e o seu rosto paulatinamente empobrecido e abastardado. Não recuarei muito no tempo… vou apenas cingir-me a factos que qualquer vilalvense de meia-idade por certo recordará, também a acontecimentos a que a minha geração assistiu e ainda, por incompreensível… inadmissível… inacreditável, a casos de hoje, que o mesmo é dizer desta primeira década do século XXI, tempos em que seria de supor outra sensibilidade e clarividência, nomeadamente dos que têm tido, a nível local, a responsabilidade de conduzir o destino desta terra.

Anos cinquenta do século XX

Na década de 1950 – anos negros para o património edificado desta aldeia – Vila Alva viu serem demolidos três edifícios de valor arquitectónico e significado histórico relevantes.

Em meados dos anos de 1950 assistiu-se à demolição do palacete brasonado da família Arce Cabo Coelho Perdigão. Este imóvel setecentista, que se levantava imponente na Praça Velha, foi residência da mais abastada e influente família de Vila Alva durante os séculos XVIII e XIX.

Poucos anos depois tombava por terra a sacristia da igreja do Senhor Jesus dos Passos - a Casa do Despacho como igualmente era conhecida -, construção de meados do século XVIII fronteira àquele templo e que, extinta há muito a Confraria do Senhor dos Passos, a Irmandade da Misericórdia então arrendava a José Chocalhinho para barbearia da aldeia. No mesmo ímpeto destrutivo foi também arrasado o prédio contíguo, na rua da Misericórdia, edifício altivo de dois pisos, com janelas de sacada a rasgar o andar nobre e que, conforme ainda algumas pessoas se recordam, possuía capela particular. Era antiga residência da família Arce, representada nos anos de 1870 e 1880 por D. Anna Ritta da Cruz Arce.

Deste modo, em menos de cinco anos, Vila Alva foi amputada na sua dignidade e genuína identidade, ao mesmo tempo que empobrecida no seu património e na sua cultura, pilares seguros de sobrevivência e futuro para quem por aqui quiser continuar a viver… O que se ganhou? Dois prédios de gosto, no mínimo, duvidoso, um dos quais, em pleno centro da aldeia, haveria de permanecer inacabado e sinistro até à segunda metade da década de setenta.

Anos setenta

Na primeira metade da década de 1970, ainda em tempos de generalizada insensibilidade face ao valor e à importância estratégica do património histórico, outra machadada na alma deste povo… veio abaixo o edifício dos Paços do Concelho e da Cadeia, símbolo da velha autonomia municipal. Com ele caíam também por terra anos, décadas, séculos de uma história, humilde, como despretensiosa é Vila Alva, mas nem por isso menos digna e merecedora de respeito. Que não era inevitável, ouvi de várias bocas, iletradas mas sensíveis (que literacia e insensibilidade não são forçosamente incompatíveis!), pois o estado do edifício justificaria ainda uma recuperação. Não foi isso, contudo, o que as autoridades locais decidiram. Depois… durante anos, o lugar em que se ergueu a Câmara de Vila Alva permaneceu reduzido a aviltante e vergonhosa cicatriz, numa praça também ela já esvaziada de sentidos.

Dois ou três anos após Abril nos ter inundado de luz foi a vez do largo da fonte de São João ser objecto de uma intervenção que só as trevas da insensibilidade e da ignorância permitirão explicar… A centenária fonte de mergulho, talvez a que acompanhou a vida das primeiras gerações de vilalvenses, e o ainda jovem fosso das bicas foram atulhados e o terreno escrupulosamente terraplanado, sem que alguém tivesse levantado aos céus uma palavra de pesar! Resultado… um espaço que, durante séculos, foi de vital importância para os habitantes de Vila Alva, também lugar de encontros e de convívio por excelência, transformado naquilo que está à vista… um moribundo recanto, despido de alegria, de sentido e de vida. E assim se tem vindo a construir o futuro desta terra e das suas gentes!

Da década de 1980 aos nossos dias

A descaracterização de uma aldeia

Mas não se pense que as coisas ficaram por aqui, que de então para cá aconteceu alguma inflexão significativa na actuação dos poderes próximos relativamente à defesa do património desta aldeia. Infelizmente não! Nestes últimos trinta anos temos continuado no mesmo plano inclinado, assistindo à progressiva descaracterização de Vila Alva, à gradual mutilação do seu rosto e ao mais gritante desprezo pelo que resta da sua genuína identidade. Desta tendência dá bem conta Emília Salvado Borges nas sucessivas edições de ‘O Concelho de Cuba. Subsídios para o seu inventário artístico’. Na edição de 1981 eram estas as suas palavras: “Nesta aldeia [Vila Alva] podem ainda encontrar-se belos exemplares do típico casario alentejano, de arquitectura popular (…)” (Borges, 1981). Nove anos depois, na 2ª edição, lê-se: A arquitectura civil tradicional está em vias de rápida extinção no concelho (…) Se pouco já pode ser feito pela habitação popular desta vila [de Cuba] e da aldeia de Faro, ainda se pode impedir que o mesmo processo venha a suceder em Vila Alva e Vila Ruiva (…) Continua a ser premente impedir que se alterem as frontarias ou se use outra cor além da tradicional cor branca para a pintura exterior das mesmas.” (Borges, 1990). Finalmente, na 3ª edição, de 1999, a autora escreve: “Em Cuba e em Faro já quase todas as casas foram modernizadas, com frontarias de gosto discutível (…) O processo foi mais lento em Vila Alva e em Vila Ruiva, mas está em pleno desenvolvimento.

Até há poucos anos podiam ainda encontrar-se nesta aldeia [Vila Alva] belos exemplares do típico casario alentejano, de arquitectura popular (…) Hoje, contudo, a maioria apresenta já caixilharia de vidro com perfis de alumínio, que obras recentes fizeram colocar.” (Borges, 1999).

Apesar do alerta e dos apelos da autora, Vila Alva tem continuado a resvalar no sentido da descaracterização e, empobrecida na sua identidade, a transformar-se gradualmente numa aldeia sem alma, de casas, ruas e largos iguais aos de tantos outros lugares. Curiosamente, em 2006, podia ler-se no endereço electrónico da Câmara Municipal de Cuba: “Vale a pena visitar esta aldeia [Vila Alva] de ruas estreitas e compridas e onde as casas mantêm a sua traça popular e rural, lembrando, por vezes, um pequeno paraíso esquecido.” Desconheço o poeta autor destas linhas, mas tenho infelizmente a certeza de que não pode estar a referir-se à minha Vila Alva, à Vila Alva do concelho de Cuba… e que, por isso, ou está a brincar com algo muito sério ou peca pela leviana ignorância de escrever sobre o que não conhece. Não sei! O que sei é o que os meus olhos vêem… a Vila Alva transformada numa dupla mentira… porque há mais de cento e setenta anos que deixou de ser vila, no sentido de sede de concelho, e porque a pureza da cal que lhe deu nome tem desaparecido das frontarias das suas casas, substituída pelo arco íris dos caixilhos, das portadas de alumínio e das cromáticas decorações que na minha infância e juventude ainda lembro serem ausentes.

Mas não é apenas à invasão do colorido que se deve a mácula que tem caído sobre a popular arquitectura civil tradicional da Vila Alva, as causas maiores, mais graves e preocupantes passam por todo um conjunto de extravagantes alterações que têm contado com os (in)devidos licenciamentos e autorizações legais, de acordo com uma política de completo laxismo e irresponsabilidade, falha de sentido pedagógico e da coragem cívica que se exigem, sempre, a dirigentes autárquicos, e que vão da completa transformação das frontarias, com abertura de vistosas marquises, até à permissão de construção de novos prédios com características e volumetrias perfeitamente desadequadas e desproporcionadas e, por isso, aberrantes. A própria autarquia tem dado o mote e o exemplo, como o comprovam os edifícios do centro cultural e do mercado do peixe. O primeiro, na companhia fronteira de um disfuncional e curioso largo de palmeiras e mudo palco, acabou de vez com a sóbria dignidade do largo da Misericórdia. O segundo é um insulto ao espaço que durante séculos foi o centro político, administrativo e social de Vila Alva. Enfim, com a complacência das iluminadas autoridades locais e a cumplicidade dos seus gostos e estéticas de vanguarda perdemos identidade, mas que relevância tem isso se pensarmos que acabámos ganhando um ‘caixote de cultura’, outro de peixe e, ao que parece, um terceiro já a caminho…

Do Rossio da Fonte Nova à ‘Saibreira’

Ao mesmo tempo que tudo isto foi acontecendo, aquele pouco que sobrou da história da terra, testemunho das vivências, dos usos e costumes das muitas gerações de homens e mulheres que por aqui passaram, permanece ignorado ou, mais grave ainda, vai desaparecendo por entre displicência e desprezo. Apenas alguns exemplos antes de terminar com os três casos mais actuais.

Devido à ausência de posturas que regulamentem o que se deve fazer e aquilo que não pode (continuar a) ser feito assistiu-se nos últimos anos, com a alteração de muitas frontarias genuínas, ao desaparecimento de elementos decorativos como as molduras no gosto regional de fins do século XVIII. Tal aconteceu, nomeadamente, nas ruas da Figueira, João Afonso e da Senhora do Rosário. As obras não foram acompanhadas por quem tinha essa responsabilidade e o resultado é o que está à vista.

O Rossio da Fonte Nova (público por tradição) mergulhou também no esquecimento. Merecia uma requalificação e a recuperação da sua velhinha fonte de mergulho. Depois da inqualificável intervenção no Largo da Fonte de São João, é o mínimo a que Vila Alva e os vilavenses têm direito… ver reabilitada aquela fonte e o largo envolvente como espaço alternativo de convívio e de lazer. Todavia, quem manda parece ter como prioridade a requalificação da Praça da República segundo um projecto que, com todo o respeito e amizade que o seu autor me merece, apenas adicionaria vulgaridade a Vila Alva, pouco contribuindo para a valorização desta terra ou para a melhoria da qualidade de vida dos que cá vivem, nada aumentando à sua capacidade para atrair visitantes.

À fonte da Rua Nova encostaram há anos um sinal de STOP. Mais recentemente juntou-se-lhe um espelho convexo. É certo que o fontanário é singelo e humilde mas, ainda assim, não deve deixar de ser merecedor do nosso respeito! Sinal e espelho podiam ser, sem grande dificuldade, retirados para uma posição que, não comprometendo a segurança da circulação rodoviária e das pessoas, em simultâneo libertasse a fonte de tão inestética companhia.

A Ermida de São Bartolomeu, localizada nas ‘vinhas’, já fora de Vila Alva, está há demasiado tempo votada a um completo abandono e esquecimento. Dado o estado a que chegou diríamos que está condenada, a breve prazo, ao desaparecimento. E no entanto, o valor arquitectónico do pequeno templo é inegável, bem assim o das pinturas a fresco que, segundo Franco et al. (1992), poderão datar da primeira metade do século XVI. Acresce que nas suas imediações são abundantes os vestígios arqueológicos pré-históricos(?) e de época romana. Recentemente este terreno foi adquirido por um particular que procedeu a movimentação de terras e nele instalou um (in)conveniente contentor, ao que parece para sua residência, ao que consta, também, com carácter… provisório! Mas como sabemos bem que neste país o provisório frequentemente se transforma em definitivo!… reservamo-nos o direito à perplexidade e a alguma dose de indignação, até porque pelas ‘vinhas’ vão proliferando as construções mais ou menos provisórias, de aspecto mais ou menos degradante.

Ainda nas ‘vinhas’, à entrada dum mundo que foi palco das quotidianas azáfamas e labutas de sucessivas gerações de vilalvenses, pólo de um movimento pendular que do nascer ao pôr do Sol semeava de vida aquele alvéolo feito de pequenos retalhos de terra, nas ‘vinhas’ dizia, existe há muito um sítio conhecido como a ‘saibreira’… logo ali à beira da estrada que segue para Vila de Frades. Era lá que os nossos avós iam buscar o saibro necessário aos trabalhos de calcetamento das ruas desta terra. Pois bem… nos últimos anos a ‘saibreira’, à beirinha da tal estrada, transformou-se numa cicatriz medonha, lugar privilegiado de despejo de toda a espécie de lixos e entulhos… verdadeiro hino ao despudorado desrespeito pelo ambiente. E aí temos… uma área de significado histórico e afectivo relevantes para o povo de Vila Alva, de inegável interesse pelas suas características geológicas, morfológicas e de ocupação e uso do solo transformada num deplorável postal, numa péssima imagem para quem chega. Curiosamente, a par com esta situação, que se repete junto ao miradouro há poucos anos criado ao fundo da Rua do Vale das Hortas, há outdoors pela freguesia recordando-nos que “Limpeza é Beleza”!

Bem, já vai longo o desabafo. Podia ainda falar da toponímia da terra, alterada pela inconsciência e prepotência, do abandono a que está votada a barragem romana de Nossa Senhora da Represa, da progressiva degradação dos monumentos megalíticos da herdades de Antas de Cima e Farelôa, da inabilidade de quem manda para potenciar o valor do rico e variado património histórico, ambiental e paisagístico que continua à espera de ser integrado e articulado num conjunto de circuitos e pequenas rotas devidamente sinalizadas e interpretadas, da falta de vontade e de interesse em deslocalizar para a Igreja de São João Baptista o importante acervo arqueológico do Museu de Arte Sacra e Arqueologia da Misericórdia de Vila Alva, com as óbvias vantagens que daí adviriam para a população e para a terra… Ficarão para uma próxima oportunidade.

Para terminar, os casos mais recentes.

Ainda o Pelourinho

O ‘Pelourinho’ de Vila Alva continua a ser um enigma por resolver. Já escrevi sobre o tema há quase vinte anos (Taborda, 1991), não me vou por isso repetir. Apenas reafirmar que há fortes razões para crer que a coluna guardada no casão da Rua da Misericórdia (1-A) possa ter pertencido ao pelourinho manuelino que durante séculos ocupou o centro da velha praça desta terra em posição fronteira, como era costume, à Casa da Câmara e Cadeia. O que foi feito pelas sucessivas equipas que têm passado pela Junta de Freguesia de Vila Alva e pela Câmara Municipal de Cuba para ajudar a resolver esta questão?... Nada! Como justificar tamanha indiferença, nomeadamente por parte de quem a nível autárquico tem inalienáveis deveres de zelar pela cultura? Talvez porque este assunto careça de valia cultural!... Ou quem sabe esteja a aguardar em lista de espera a atenção autárquica, há mais de vinte anos relegado para um lugar compatível com a sua insignificante relevância. Porque há enigmas, esses sim deveras culturais, que devem merecer privilegiadíssima atenção, como o daquele navegador, de quem provavelmente nunca se conhecerá ao certo a verdadeira naturalidade, mas que tem granjeado todo o interesse de quem está em Cuba no poder… que tem contado com patrocínios e benesses, workshops e toda a espécie de propaganda e marketing a tal ponto que até já se fez ao largo… de um tribunal! Há vilalvenses, os mais esclarecidos e sensíveis, que também gostariam de, desvendado o enigma, mas só depois de desvendado, ver a coluna do 1-A de novo num espaço público… como coisa pública que é. Na minha modesta opinião seria uma mais valia para Vila Alva. Entretanto, vamos aguardando na fila…

As pinturas do nº6 da Rua da Misericórdia

Este prédio, vizinho das igrejas da Misericórdia e do Senhor Jesus dos Passos, foi sinalizado por Túlio Espanca que o considerou como um dos mais pitorescos de Vila Alva e o descreveu assim: “[Casa] de empena elevada, protegida por contrafortes apilastrados, tem portal cego (antigo) e janelas altas, de peitoril, com cornijas decoradas.” (Espanca, 1992, p.288).

Nos meses de Maio e Junho de 2008, obras no interior do edifício puseram a descoberto um conjunto de pinturas a fresco que logo me pareceram não ser trabalho de um qualquer curioso. Mas a minha opinião é a de um leigo. Pedi, por isso, ajuda a um velho amigo meu e de Vila Alva. E no dia seguinte, generoso, cá estava Leonel Borrela, a assegurar tratar-se de um “trabalho artístico de alguma valia e que nada tem de popular”. Também Victor Serrão, a quem Borrela gentilmente fez chegar fotografias das pinturas, considerou “interessantíssimo o conjunto mural com arquitecturas perspécticas barrocas”. Perante estas opiniões a Misericórdia local, com a compreensão e interesse do proprietário do nº6, encetou esforços no sentido de não se deixar perder mais este elemento de considerável valor patrimonial para Vila Alva. Por isso, foi dado conhecimento à Câmara de Cuba, pediu-se apoio ao seu gabinete técnico para uma avaliação do estado da abóbada de arco abatido que suporta as pinturas, e o senhor Presidente da Câmara foi pessoalmente informado da existência e do valor artístico da descoberta… Mas sabemos bem como são os corredores do poder… estreitos, tortuosos… quantas vezes sem saída... E os dias foram correndo, as semanas e os meses passando… Hoje, decorrido quase um ano, não posso garantir que as pinturas não tenham já sido completamente rebocadas. Fica aqui por isso o alerta para que a Câmara de Cuba e o seu gabinete técnico procedam ao acompanhamento da obra e não permitam que, pelo menos a frontaria da casa que julgo poderá ter sido cartório da terra, seja adulterada na traça sóbria e genuína que ainda conserva. É o mínimo que se pede!

As Alminhas

E chegamos ao mês de Março deste ano. Sem qualquer acompanhamento de técnicos especialistas a Câmara de Cuba procede à demolição de uma casa sita na convergência das ruas João Afonso (antiga Rua do Rossio) e Dr. Fernando de Sousa (antiga Rua das Vinhas). Digo sem acompanhamento não porque a área de intervenção esteja dentro do perímetro a respeitar pela presença próxima de um imóvel classificado como é a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Visitação (a obra decorre dois ou três metros além daquele limite), mas porque na parede da casa existia um painel constituído por seis azulejos monocromos, de azul e branco, com a representação das alminhas do purgatório, obra de meados do século XVIII (Espanca, 1992, p.287). Pelo valor histórico e artístico do conjunto, pelo cuidado que a operação impunha, mas também pelo estado de conservação de alguns dos azulejos exigia-se que fossem retirados por técnicos especializados. Não foi o que aconteceu e, como consequência, se o estado do painel já era causa de inquietação agora mais preocupação suscita. Mas as coisas não ficaram por aqui. As obras continuaram e eis que a máquina da câmara ao limpar o terreno ‘tropeça’ em qualquer coisa… duas ‘caixas’ rectangulares em tijolo (1,80mx0,80m). ‘Libras’… assomaram ao pensamento. E como a curiosidade foi maior que a prudência e o discernimento, com a ajuda da máquina e a golpes de picareta pouco tempo foi preciso para se chegar ao fundo das duas ‘sepulturas’ de alvenaria escavadas no substrato rochoso. Depois as coisas tomaram o rumo certo. A Direcção Regional da Cultura do Alentejo e o IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico) foram informados da ocorrência, a obra parou e… chegaram os arqueólogos que, numa primeira fase, puseram já a descoberto dois silos, uma terceira ‘caixa’ e uma ampla estrutura que lembra um alicerce.

É neste ponto que se encontram os trabalhos, aguardando que a escavação, descendo às profundezas, possa trazer ao de cima alguma luz sobre o sentido, significado e funcionalidades destes achados. Inquestionável, quase tangível, o burburinho que nos últimos dias tomou conta de Vila Alva, a agitação que a sacudiu da sua dormência, com as pessoas passando por aquele espaço agora vedado e questionando-se, interrogando-se uma e outra vez sobre ‘o que possa haver ali por baixo’. Como se o passado, emergindo das funduras, tivesse o condão de acordar e vivificar o presente, de abrir janelas de esperança. Acredito que o tem! Exemplos não faltam que o confirmem… por isso, e para terminar, aqui deixo a sugestão…

… Seja qual for o veredicto dos arqueólogos, que o projecto camarário de requalificação deste espaço seja repensado de forma a integrar no presente e no futuro dos vilavenses, o passado agora posto a descoberto. Que estas marcas deixadas pelos nossos antepassados possam permanecer, num pequeno museu aberto, ao alcance dos olhos dos que aqui vivem, dos que por cá passam e dos que aqui propositadamente chegam… à procura do que esta terra ainda tem de belo e genuíno para oferecer. Enfim… que de uma vez por todas por aqui se comece com seriedade e empenho a encarar o passado e o património, não só o histórico, o artístico e o arqueológico, mas também o etnográfico, o paisagístico e o ambiental como recursos capazes de permitirem relançar a vida e o futuro de Vila Alva.

Depois de tudo o que perdemos, do tanto que deixámos nos tirassem, não é pedir muito. Por favor façam-no… pelas nossas alminhas!"


Cumprimentos vilalvenses

SPNN


4 Comments:

At 13:35, Blogger Dora said...

Fiquei imensamente triste quando li este artigo no jornal. Mas é bem verdadeiro. Que todos leiam, e que se consiga travar um pouco esta onda do "o q é moderno é q é bom"...
Beijinhos e obrigada por pores este texto aqui!

 
At 22:14, Anonymous Anónimo said...

O texto esta lindo e vê-se imensa ternura no que escreve. É de crer a grande admiração que tem pela Vila Branca.
No entanto, todos os que lá habitam e lá cresceram sabem que no tempo que descreve no seu artigo, Vila Alva podia ter grandes centros culturais, mas o "rosto paulatinamente empobrecido" a que se refere quando descreve Vila Alva hoje, estava lá sim muito presente, mas nas suas pessoas e não nas suas terras.
Apesar de saber que se perdeu muito naquela pequena e sempre humilde Vila uma coisa mudou para muito melhor e é maravilhoso poder observa-lo.
É que muitas das pessoas e familias que há, não muito tempo atrás viviam com grande dificuldade, são hoje as mesmas pessoas humildes, honestas, felizes e desinteressadas mas com mais poder financeiro merecido e lutado!
Não foram só patrimonios perdidos. Esses deram vida a outros bem vivos e que se todos ajudarmos poderao ser sempre melhores!
Não são só edificios renovados e restaurados que farão a Vila, mas sim a gente que não se perdeu e essa é que é importante renovar e incentivar, mostrando-lhe o que a Vila Branca tem hoje de bom e evoluido é claro nunca esquecendo o que já fora um dia.
Porque não nos podemos só preocupar em criticar e lamentar o perdido mas sim observar o avanço que se conseguiu atingir no sitio que amamos, crescemos e aprendemos.
"Podem pintar Vila Alva de verde, laranja, cor-de-roso,vermelho ou outra cor qualquer, mas a alma está lá" e é bom ver que sempre algo muda e para melhor.

 
At 11:12, Blogger jesus said...

Antes de mais quero dizer que fiquei encantada com o texto,pois mostra uma sensibilidade e um olhar que só é pena não ser igual para todos.Para que não se cometam mais erros como no passado, penso que era bom esclarecer as pessoas para que fiquem atentas e futuramente não hajam mais perdas que jamais vão ter retorno.Todos os jovens devem ter noção do valor da sua aldeia,do património importante que nos foi deixado pelos nossos antepassados.Vila Alva,meu berço minha paixão,para mim és de facto a mais bela aldeia de Portugal.És a Catedral da minha infância,o cofre das minhas ilusões.Sabes o amor que te tenho, quanto sofro por estar longe de ti, mas fica a promessa, um dia não sei quando vou ficar junto a ti para sempre num abraço eterno.Vila Alva,não deixes que te vistam de alumínio e te calcem de alcatrão mantém a tua beleza NATURAL,põe uma sardinheira a cada porta e não consintas que te arranquem a alma.Um beijo e um abraço para todos os filhos que viste nascer.M.J.M.P.

 
At 19:59, Anonymous Anónimo said...

Não pretendendo comentar o conteúdo dos artigos em questão, não quero, contudo, abster-me de exprimir algumas considerações. A priori conheço a dificuldade que se me coloca ao tentar conseguir o necessário distanciamento emocional, quando o assunto em causa mexe com afectos.
Tenho o prazer e a honra de conhecer pessoalmente o Sr. Dr. João Paulo Taborda. Sei, portanto, de quem vou falar. Com ele me identifico no que a estas questões dizem respeito. Também sou vilalvense, com 62 anos de idade. Como diz um poeta alentejano, que igualmente conheço, "...A vida não perguntou o que eu gostava para mim... "! Saí dessa aldeia deixando para trás o mundo que me securizava; na inocência dos meus 10 anos sonhava voltar um dia para esse ninho perdido. Quando lá vou percorro as ruas da minha saudade mas pouco encontro daquilo que deixei. É evidente que não estou a falar de pessoas. Nós somos mais perecíveis, resta-nos a memória. Falo do que tornava Vila-Alva tão carismática e lhe conferia a "nobreza" que eu recordo. Sou a favor da modernidade, pois claro, mas não feita à custa da destruição das "raízes", ou seja,sou a favor da preservação e conservação do património existente. Só em situações muito objectivas e pontuais aceito a inevitabilidade do "descartável". Com o pouco património que resta, se não continuar a ser negligenciado e destruido, ainda poderemos voltar a pôr Vila-Alva no mapa. Quantos se preocupam com o TURISMO CULTURAL? Mértola! Um exemplo a seguir! Desejo que os senhores autarcas um dia possam via a sentir orgulho no seu desempenho em prol do turismo cultural.
Estefânea Estevens

 

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